Conversas com Gabriel #2
Engraçado, filho, como algumas fases da vida trazem outras fases à tona.
Apesar de amar sobretudo o mar eu sou feita de montanhas: moramos no cinza da cidade grande mas minhas raízes cresceram onde o chão quase toca o céu.
Eu deixei aquela terra há quase dez anos para viver no concreto onde cresceu o teu pai. Agora a serra onde nasci e cresci parece ter aberto um caminho de volta em mim justo enquanto você vai nascer e crescer em outro lugar – quase certo esse ser o motivo de a trilha ter-se aberto. Brota em mim um desejo imenso de te mostrar onde fui forjada para que assim você sinta que aquele ar gelado também faz parte de quem você é.
Quem gosta de cidade vai preferir aqui onde vivemos porque essa cidade que temos pulsa mais. Bem mais. A montanha é para quem gosta de verde, de cheiro de mato e de terra molhada. Você vai amar terra molhada, filho. Basta usar a bota certa.
Na montanha também tem horizonte: a gente estica o olhar lá longe e sabe que depois de tudo o que se consegue ver ainda tem mais. Horizonte é uma coisa bonita porque, se a gente deixar, até a nossa alma cresce.
Há muito para ser visto e eu quero te mostrar tudo, Gabriel. Eu não sei se você vai preferir o concreto da terra do seu pai ou o mato da montanha, mas você vai ser livre para escolher o caminho que sentir que te pertence. Teu pai e eu pintamos tuas raízes de verde e de cinza, mas as tuas asas terão a cor que tu quiser. Quando chegar a hora, pode voar. Estaremos aqui.
Gabriel, olha: o horizonte!
Sente o vento, filho.