Conversas com Gabriel #1
desde que descobri minha gravidez, passei a ter longas conversas imaginárias com o bebê que está por vir: já conversei com quem ele é agora, enquanto está aqui dentro, mas também com todos os homens e meninos que ele um dia será – aos dois, aos quinze ou aos trinta anos; abaixo está uma das primeiras conversas de que me lembro, tida na sala de espera do laboratório onde fiz o teste que apenas confirmou o que já me era sabido.
Gabriel, meu pequeno,
Não vai dar tempo: você vai chegar e ainda haverá uma centena de coisas para consertar – o nosso mundo é um lugar bem quebradiço, e eu sempre achei que só te traria para cá no dia em que tudo fosse bom o bastante para te receber.
Que tolice!, agora percebo, enquanto me dou conta de que o mundo não pode mesmo ser consertado por inteiro: não há nada que se possa fazer para garantir paz e amor para todos e para sempre. Parece pessimismo, eu sei, mas na verdade há alguma leveza em compreender que essa é apenas a natureza da nossa existência aqui, e eu acho que descobri o porquê (ou, pelo menos, gosto de pensar que entendi).
Como boa parte das coisas que existem, a condição humana é bela mas também terrível; é cruel mas também é sensível. Temos acalentos como bossa nova, sorvete e cafuné, mas também aspereza na guerra e no preconceito daqueles que só respeitam o que lhes convier. Temos afeto mas também temos medo, tudo morando dentro da gente ao mesmo tempo – e a boa notícia é que podemos escolher, meu pequeno. A gente sempre pode escolher.
A humanidade, essa que é bonita e feia simultaneamente, cultiva um mau hábito que é historicamente insistente: o de achar que, já que não se pode fazer tudo, ninguém precisa fazer nada. E isso é uma tremenda bobagem, porque pouca coisa sabe ser tão bonita quanto um um ser humano dedicado a fazer sua parte e evoluir na jornada.
Foi assim que eu entendi que o mundo é despedaçado e lindo como é porque assim nos desafia, nos inconforma e nos anima a melhorar para, quem sabe, modificar um pedacinho do entorno por nós mesmos e por aqueles a quem queremos bem.
Paz é um dos nomes que a gente dá para aquele cansaço que dá no fim de um dia em que a gente fez – de verdade! – a nossa parte em tudo o que se podia. Amor é saber que não estamos sozinhos no caminho.
Acho que algumas dessas verdades eu sempre soube, mas de alguma forma elas se encaixaram mesmo foi agora, no dia em que percebo que não vai dar tempo de consertar tudo porque você já está vindo, estando ou não o mundo a contento – e isso me fez decidir que o nosso mundo mais bonito está apenas começando. Estamos aqui, meu pequeno, te esperando.